Apesar de cada uma das doenças raras atingir um número reduzido de pessoas, quando somadas, afetam milhões de brasileiros. A professora do curso de Medicina da Universidade Feevale, Emilly de Jesus Garcia Ataide explica que as doenças raras se caracterizam por serem condições que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. "Isso pode parecer pouco, mas quando somamos todas as doenças raras conhecidas, vemos que milhões de brasileiros vivem com uma dessas condições. A estimativa, segundo o Ministério da Saúde, é que cerca de 13 milhões de pessoas no país sejam afetadas por uma doença rara", afirma a especialista.
O diagnóstico das doenças raras é um dos principais desafios enfrentados pelos pacientes. Como muitas dessas enfermidades apresentam sintomas semelhantes a condições mais comuns, os pacientes costumam passar por diversos médicos e realizar uma série de exames antes de obter uma resposta definitiva.
"O primeiro grande desafio é justamente o diagnóstico. Muitas doenças raras têm sintomas que podem ser confundidos com condições mais comuns, o que faz com que o paciente passe por vários médicos e exames antes de receber uma resposta, o que pode levar anos e que chamamos de 'odisseia diagnóstica'", afirma a professora, que tem mestrado em Genética.
Além da dificuldade em identificar corretamente a doença, o acesso a exames especializados, especialmente testes genéticos, também é um obstáculo. "Mesmo após a chegada ao especialista, o acesso a esses exames, que são essenciais para confirmar muitas dessas doenças, nem sempre está disponível na rede pública de saúde", complementa a professora.
Depois de conseguir o diagnóstico, os pacientes ainda enfrentam outro desafio: o tratamento. Para algumas doenças raras, já existem medicamentos específicos, mas eles são frequentemente muito caros e não estão disponíveis na rede pública. Em muitos casos, não há cura, e os tratamentos disponíveis são focados no alívio dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida.
Ainda que existam dificuldades, os avanços na medicina e na tecnologia têm proporcionado novas esperanças. "Os testes genéticos, apesar de ainda caros para a nossa realidade econômica, estão cada vez mais acessíveis, e novos tratamentos específicos, incluindo terapia gênica, já são realidade para algumas condições como a Atrofia Muscular Espinhal (AME)", destaca a especialista.
Além dos desafios médicos e científicos, há também uma necessidade urgente de ampliar a conscientização sobre as doenças raras. "Quanto mais pessoas, incluindo médicos e profissionais de saúde, souberem sobre doenças raras, mais cedo podemos identificar os casos e ter um seguimento adequado", afirma a professora. A desinformação pode retardar diagnósticos e impedir que pacientes tenham acesso a tratamentos que poderiam melhorar sua qualidade de vida.
Nesse contexto, as associações de pacientes desempenham um papel fundamental, ajudando na luta por direitos, na divulgação de informações e no suporte às famílias. "Muitas dessas doenças exigem adaptações na escola, no trabalho e até na estrutura das cidades, para garantir mais inclusão e qualidade de vida para os pacientes, o que deve mobilizar toda a sociedade", reforça Emilly.
Diante dos desafios enfrentados por quem convive com uma doença rara, algumas medidas podem ser adotadas para transformar essa realidade. Entre elas, a professora Emilly destaca três pontos fundamentais:
1. Ampliar a triagem neonatal: "O famoso ‘teste do pezinho’ precisa ser expandido para incluir mais doenças raras. Quanto antes detectarmos uma doença, mais cedo podemos agir para evitar complicações, iniciando um tratamento adequado."
2. Criar mais centros de referência: "Centros especializados para doenças raras permitiriam que os pacientes recebessem atendimento especializado sem precisar viajar grandes distâncias."
3. Capacitar profissionais de saúde – "Treinar médicos e outros profissionais da saúde para reconhecer os sinais dessas doenças e encaminhar corretamente os pacientes pode reduzir o tempo da ‘odisseia diagnóstica’."
Implementar essas medidas pode garantir diagnósticos mais rápidos, ampliar o acesso a tratamentos e melhorar significativamente a qualidade de vida de milhões de brasileiros que convivem com uma doença rara. "Com ciência, políticas públicas eficazes e uma sociedade mais informada e engajada, podemos transformar essa realidade", conclui a professora.A conscientização sobre as doenças raras precisa ser uma pauta constante. Informar a população, apoiar os pacientes e incentivar avanços na medicina são passos essenciais para garantir mais dignidade e qualidade de vida para todos que enfrentam essas condições.